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24
Outubro 2008
Comentário
da Semana "A insustentável portabilidade do ter"
José Pedro Calheiros
Há
dias, por motivos de manutenção da minha viatura de
serviço, deram-me um carro de substituição.
Era cinzento e andava. As duas características base em que
eu avalio os carros. Depois percebi a marca por ter um leão
metálico e com ajuda de um dos meus colegas da SAL, informou-me
que era o modelo 407. Quando o devolvi, o vendedor veio perguntar-me
o que eu achava. Pobrezito -- disse eu -- não tinha motorista.
Essa é que é. A melhor coisa que podemos alcançar
não é ter, mas sim não ter. |
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Apenas usufruir,
estar e ser. Nos nossos dias parece ter-se tornado imprescindível,
para alguns, ter sempre o telemóvel à mão; e também
a agenda electrónica; e também o computador portátil;
e também o GPS; e também a máquina fotográfica
digital; e também o leitor de músicas; e também o
leitor de filmes; e se possível tudo isto no mesmo equipamento,
ou em vários, ou em vários e no mesmo em diferentes combinações;
se possível tudo integrado no automóvel podendo ser migrado
para casa, optimamente sem fios nem ligações. Criou-se a
insustentável portabilidade do ter. Não abdico da inovação
tecnológica que me auxilia, mas não me vergo à ditadura
do microchip. A minha vida funciona bem com as tecnologias, mas tudo faço
para que estas não me persigam. Computador bem quietinho no escritório,
telemóvel quase sempre desligado, lições bem estudadas
para reuniões de trabalho e depois utilizar tudo que está
à minha escala humana. Uma folha de papel, uma caneta, boas ideias,
capacidade de diálogo, olhar o outro como se nos estivéssemos
a ver a nós. Só assim consigo assegurar a sustentável
presença do ser.
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